O pódio da experiência
Após essa leitura, sugiro fortemente que você ouça a canção Clube da Esquina N°2
Acho meu pai um cara muito massa. Já imaginei, várias vezes, que se nesta vida eu não fosse filha dele, gostaria de ter sido sua amiga. Esposa não (kkkkrying). Mas amiga, com certeza. A gente teria curtido música da boa, algumas poesias etílicas e muitos papos sobre a vida.
Vejo nele uma alma livre e admirável. Com espírito de artista, formou-se em Medicina e há décadas exerce seu ofício como quem reza — mesmo se dizendo ateu. Atua com amor, zelo e compromisso.
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A Medicina de hoje forma profissionais em ritmo industrial. Ainda há médicos comprometidos, daqueles que carregam no peito a missão de cuidar. Mas há também quem entre nesse ofício com pouca entrega e muita pressa — como se a receita do sucesso fosse uma consulta rápida e uma conta recheada. O tempo mudou, os valores mudaram. O mundo gira sem pedir licença e a sensação é que, de repente, nosso tempo ficou apertado dentro das novas formas de ser. Enquanto isso, meu velho pai, aos 70 anos, segue firme, trabalhando com afinco naquilo que sua alma generosa acredita ser missão: cuidar de gente.
Algumas semanas atrás, ele me ligou:
— Acho que vou perder um emprego.
— Como assim, pai? O senhor trabalha lá há tantos anos, encara estrada, leva seu próprio aparelho... Por quê?
— Porque eu tô velho, filha. Eles querem médicos novos.
Não dormi naquela noite. Não pensando simplesmente no peso da idade, mas angustiada com o peso dos rótulos. Aos 44, eu também já senti na pele o etarismo:
“Precisamos de mentes jovens para ideias inovadoras”, disseram.
Sim, é preciso aceitar a finitude das coisas — inclusive da vida. Mas quando ainda há disposição física, lucidez mental e compromisso, é cruel usar a idade como critério de descarte. Sapatos velhos, geladeiras quebradas — a gente descarta. Pessoas, não.
Nós nascemos e vamos nos fazendo ao longo dos anos. Aprendemos. Nos reinventamos. A cada ano, somos uma versão renovada — e, quase sempre, melhorada — de nós mesmos.
Hoje cedo, a caminho do trabalho, ouvi um podcast com Bruna Lombardi, atriz, escritora, poeta, roteirista, palestrante. Aos 72 anos, ela disse:
“Não tenha medo da morte, tenha medo do medo.”
E eu pensei, de novo, no meu pai.
Médico. Generoso. Setenta anos. Todos os dias encara estradas entre o Piauí e o Maranhão para atender quem precisa. Incansável. Corajoso. Inspirador. Como eu gostaria de ser.
E se seguir vivo, disposto e querendo aos 70 (ou aos 44 — gritei isso dentro do carro!) não é o suficiente… então o que seria?
Finalizo enaltecendo o frescor da juventude. Mas, sinceramente, o pódio? Esse sempre será da voz da experiência.
PS: Após essa leitura, sugiro fortemente que você ouça a canção Clube da Esquina N°2 de Milton Nascimento e Lô Borges.