Ciro Nogueira tenta calar imprensa após reportagens sobre Operação Carbono Oculto

Assim como Bolsonaro, senador busca impor censura ao jornalismo que os incomoda
Redação

Em uma medida que levanta sérias preocupações sobre a liberdade de imprensa e o direito à informação no Piauí, o Senador da República Ciro Nogueira Lima Filho (PP) protocolou uma Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela de Urgência contra um grupo de veículos de comunicação locais e nacionais. A ação busca a remoção imediata de matérias e posts em redes sociais que noticiaram fatos públicos e notórios relacionados à Operação Carbono Oculto 86, uma das maiores investigações recentes sobre lavagem de dinheiro e crime organizado no estado.

O escopo das reportagens: fatos e conexões

Ao contrário do que alega o senador em sua petição, que acusa os veículos de agirem com “manifesta má-fé jornalística” e buscarem “macular a imagem”, as reportagens impugnadas limitaram-se a noticiar elos concretos e figuras públicas envoltas na complexa teia da investigação.

Vínculo político comprovado: Um dos pontos centrais das reportagens diz respeito ao ex-secretário municipal de Articulação Institucional de Teresina, Victor Linhares de Paiva, que foi alvo de medidas judiciais na Operação Carbono Oculto 86. As matérias apenas reportaram que Linhares era um “aliado direto do senador Ciro Nogueira” ou seu “homem de confiança” — um fato notório e ilustrado por diversas imagens dos dois juntos. Victor Linhares foi alvo devido a movimentações financeiras atípicas em uma fintech associada ao esquema de lavagem de dinheiro do PCC, a BKBank.

Movimentação financeira pública: Outra linha de reportagem noticiou que uma empresa vinculada ao senador Ciro Nogueira recebeu R$ 63,9 mil de um posto de combustíveis alvo da Operação Carbono Oculto 86. Essa informação, segundo as reportagens, está baseada em Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Coaf, documento de acesso legalmente obtido. O papel da imprensa foi apenas o de dar publicidade e contexto a dados que, por sua natureza, são de alto interesse público.

O abuso do direito e o papel do jornalismo

O argumento central da defesa do senador é o de que, por seu nome não constar como investigado ou indiciado nos autos da operação, a imprensa teria extrapolado os limites da informação. Contudo, o jornalismo investigativo, especialmente em grandes democracias, tem o dever de noticiar conexões, elos e fatos relevantes.

É inegável o interesse público em saber que:

  • Um auxiliar político de alto escalão do senador foi alvo de uma operação contra o PCC.
  • Uma empresa ligada ao próprio senador recebeu valores de um dos postos investigados no bilionário esquema de lavagem de dinheiro.

Tais fatos, se reportados com base em documentos ou declarações de autoridades (como no caso do Coaf), caracterizam o exercício legítimo da liberdade de imprensa e não “difamação”, “manipulação narrativa” ou “uso indevido da liberdade de expressão”. O questionamento do senador Ciro Nogueira, que busca a remoção e censura de conteúdos que reportaram fatos verídicos, pode ser interpretado como um ato de intimidação judicial para evitar o escrutínio de figuras públicas.

A Suprema Corte brasileira tem reiterado que a liberdade de imprensa encontra seu limite na responsabilidade, permitindo a punição de informações comprovadamente mentirosas, difamatórias ou caluniosas. Todavia, exigir a retirada de fatos comprovados, como o recebimento de verba e a relação de assessoria, representa uma tentativa de impedir o leitor de formar seu próprio juízo de valor a partir de informações relevantes e de domínio público.

A ação judicial, com pedidos de multas diárias elevadas e remoção imediata de conteúdo, demonstra uma tentativa de silenciar a cobertura que conecta a política local às repercussões de investigações criminais de alcance nacional.

Próximos passos: o teste da censura

Independentemente da decisão judicial, a iniciativa do senador Ciro Nogueira de judicializar reportagens baseadas em fatos públicos — como a ligação de seu ex-assessor com o alvo da operação e o recebimento de valores por sua empresa a partir de um posto investigado — acende um alerta sobre as tentativas de figuras públicas de cercear o debate e o escrutínio público. Ao forçar a retirada de conteúdos que cumprem o dever de informar, o parlamentar parece buscar um escudo judicial contra a exposição de elos políticos em esquemas criminais. A manutenção da informação no ar, portanto, representa a defesa intransigente do direito constitucional do cidadão ser bem informado e de o jornalismo exercer sua função de fiscalização, pilares fundamentais para a transparência e a saúde da democracia.

Leia também