Prefeitura de Parnaíba é alvo de ação por maus-tratos em Casa de Acolhimento

Denúncias sugerem graves violações de direitos das crianças e adolescentes acolhidos no local
Redação

A Defensoria Pública do Estado do Piauí, por intermédio da Comissão de Defensoras e Defensores Públicos, impetrou ação civil pública contra a Prefeitura de Parnaíba em favor das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade institucionalizados na Casa de Acolhimento Infanto Juvenil de Parnaíba (CAIP), estabelecimento público municipal, sem personalidade jurídica, mantido pela Prefeitura Municipal de Parnaíba, sob a gestão do prefeito Francisco Emanuel, e vinculado à SEDESC (Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania).

Foto: Reprodução
Casa de Acolhimento Infanto Juvenil de Parnaíba

A Ação foi resultado de Procedimento Preparatório para a Propositura de Ações Coletivas, resultante da instauração de Procedimento para Apuração de Dano Coletivo (PADAC). O procedimento administrativo interno da autora foi iniciado para apurar denúncias que sugerem graves violações de direitos das crianças e adolescentes acolhidos na CAIP, tais como ameaças e maus-tratos.

A Comissão de Defensoras e Defensores Públicos vêm realizando inspeções e audiências extrajudiciais, tendo encontrado problemas como períodos de superlotação, ausência de capacitação dos profissionais e falhas no controle de ponto; crianças/adolescentes acolhidos há mais de quatro anos, sem progresso para desinstitucionalização. Além disso, foi constatado que a instituição funcionava de modo precário, em descumprimento ao que rege os ditames legais previstos nas Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes e ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Foto: Alessandra Fonseca/Conecta Piauí
Prefeito Francisco Emanuel

Ausência de Plano Político Pedagógico, PIAS e Relatórios desatualizados, falta de Laudo da vigilância sanitária e do Corpo de bombeiros, ausência de controle das doações e estoque de alimentos, falta de alimentos e oferecimento de alimentos vencidos aos acolhidos, bem como o consumo de água não potável. A Casa também funciona com estrutura física incompatível com a de uma residência, já que se trata de uma Escola que foi adaptada para funcionar como instituição de acolhimento.

Nas inspeções que se seguiram, notadamente na inspeção realizada em fevereiro de 2025, a Defensoria Pública constatou que a casa permanece em estado insalubre, higiene extremamente deficitária, ambiente contaminado com água de fossa e caixa de gordura, ausência de itens de limpeza e de higiene pessoal, alimentos insuficientes e inadequados, crianças sem encaminhamento para atendimento médico e sem fisioterapia, ausência de individualização de roupas, não observância de protocolos em caso de surtos psiquiátricos, pouquíssimos cuidadores e funcionários de serviço geral, ausência de capacitação do corpo de servidores/colaboradores/terceirizados.

Foto: Reprodução
Casa de Acolhimento Infanto Juvenil de Parnaíba

Além disso, itens decorrentes de segurança e acessibilidade restam inobservados conforme atestado pelo Corpo de Bombeiros e por Engenheiro Perito que foram instados durante o procedimento, o que gerou o pedido de liminar pela Defensoria Pública requerendo a interdição do prédio, com o imediato deslocamento dos acolhidos para a rede hoteleira ou outro local em condições de salubridade, segurança e acessibilidade, obedecidas todas as normas legais supramencionadas e disposições regulamentares.

A Defensoria requereu ainda a nomeação de interventor judicial, para garantir a adequada gestão e funcionamento da unidade de acolhimento para que cessem imediatamente as violações encontradas.

Para a defensora pública Débora Cunha Vieira Cardoso, presidente da Comissão, “foram feitas 4 inspeções na Casa de Acolhimento Infantojuvenil de Parnaíba e 2 reuniões extrajudiciais com os representantes do Município, mas não ocorreram melhorias substanciais. Presenciamos situações estarrecedoras, como falta de alimentação e de água potável para o consumo das crianças. Recebemos denúncias anônimas de ex-servidores que relataram que as crianças com deficiência não recebem os tratamentos médicos adequados, é comum que tenham episódios de surto sem que haja um protocolo para tais situações. Inúmeras vezes são os próprios cuidadores que precisam se cotizar para comprar alimentos e produtos de higiene básica. Na última inspeção, vimos esgoto à céu aberto e muita sujeira. Uma das denunciantes relatou que a brinquedoteca fica fechada, e só é autorizada a abertura quando prevista alguma fiscalização dos órgãos públicos”.

Foto: Reprodução
Casa de Acolhimento Infanto Juvenil de Parnaíba

Para a defensora pública Sarah Miranda, o Município é obrigado a prestar serviço assistencial de altíssima complexidade, como é o serviço de acolhimento institucional, de forma a observar a legislação pertinente. Os serviços devem garantir dignidade, salubridade, segurança, habitabilidade, alimentação adequada e nutritiva, acesso a serviços médicos, dentre outros, que restaram inobservados no presente caso. Cabe à Defensoria Pública o papel constitucional de promover os direitos da criança e do adolescente, inclusive protegendo-as de toda e qualquer ameaça ou lesão a direito, até mesmo de violência institucional. A situação encontrada nas inspeções revelam sua gravidade, corroborado tudo isso com inúmeros depoimentos e vídeos que foram fornecidos pelos denunciantes, além de relatório do Conselho Tutelar que confirma a gravidade do caso. Assim, não restou outra alternativa que não o ajuizamento da ação de forma que o poder Judiciário possa fazer cessar imediatamente as violações encontradas e salvaguardar os direitos dos acolhidos”.

Para a defensora pública titular da 1ª Defensoria Pública da Infância e Juventude de Teresina, Daniela Neves Bona, “Ao longo desse período de inspeções, apesar de todas as notificações e concessões de prazos para a adequação da estrutura física e capacitação adequada dos profissionais da instituição inspecionada, pudemos constatar que as melhorias necessárias e urgentes não foram atendidas, ao revés, na última inspeção realizada em fevereiro de 2025 a situação encontrava-se bem pior, não restando outra alternativa que não a judicialização da demanda com o objetivo de salvaguardar os interesses das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Assim, esperamos que através do Poder Judiciário possamos efetivar os direitos daqueles que estão sendo diretamente afetados e punidos duplamente, já que vivem em situação de acolhimento sem a devida garantia do mínimo existencial”.

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