Atendente do Samu Teresina nega socorro a acidentando e motivo é intrigante!
Um motociclista gravemente acidentado, uma testemunha ocular e uma burocracia...
- É um relato muito longo, opinativo e tem várias camadas!
- O objetivo é fazer uma reflexão sobre nosso sistema de saúde
-
Na verdade, o que vale mais: burocracia ou humanidade?
Fui testemunha de uma possível omissão de socorro por parte do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Teresina. Na madrugada deste sábado (19/07), vivi uma situação angustiante que, na minha visão, pode configurar uma grave falha no serviço: a possível omissão de socorro por parte do Samu.
Era tarde e eu me preparava para dormir, mas por volta de 0h20, ouvi um barulho forte vindo da avenida Hugo Bastos, no bairro Vale Quem Tem, zona Leste da capital. Da janela do meu apartamento, que fica nos fundos do condomínio, consegui visualizar algo estranho: um homem estendido em uma área de mato, ao lado da UBS do Planalto Uruguai. Ele não se movia e, como o local é bastante escuro, era praticamente invisível para quem passava pela avenida.
Para mim pareceu que o motociclista bateu no meio fio. Ele e o veículo foram arremessados para o mato, perto de uma árvore. Não daria para vê-lo da via, mas do meu apartamento era possível. Poderia ser qualquer pessoa: um parente meu, um trabalhador cansado, alguém embriagado, um jovem imprudente dando grau...
Nem me importei...
LIGAÇÃO PARA O SAMU
Preocupado e depois de analisar bastante, 0h24 liguei para o Samu. Expliquei a situação à atendente, mas fui surpreendido pela exigência de que eu estivesse presente no local do acidente para fornecer mais informações. Eu disse que estava impossibilitado de sair de casa. Realmente eu não poderia sair.
Além disso, o caminho até a entrada do condomínio é longo e, ao local do acidente, mais ainda, tendo em vista que moro no fundo e teria que ‘arrudiar’, um percurso de mais ou menos 1KM. Mesmo que não fosse por isso, naquele horário, significaria me expor a um risco real. Esta área é realmente perigosa, onde já testemunhei da minha janela, vários assaltos, tiroteio, acidentes... Ainda assim, fiz questão de relatar tudo que conseguia ver de onde estava.
Este local é um terreno obsoleto: um campo de futebol sem qualquer estrutura, uma academia da saúde, muitas árvores e mato, bem escuro. Residências são afastadas e a única visão é dos apartamentos.
OMISSÃO E DEBOCHE
A resposta que recebi foi que a ocorrência não poderia ser registrada sem minha presença no local. Reforcei que não poderia ir e estava cumprindo meu dever ao comunicar o acidente e alertei que, caso contrário, eu mesmo poderia estar cometendo omissão de socorro, que eu era um pagador de impostos, que era um serviço necessário. Apesar de a ligação ser gravada, a atendente demonstrou total descaso e desligou o telefone na minha cara.
Dois minutos depois, tentei novamente. A mesma pessoa atendeu, eu reconheci a voz, comentei, mas debochou da minha tentativa de ajudar. Diante disso, eu quem desligou.
Eu tinha poucas alternativas:
- Deixar para lá e fingir que nada aconteceu;
- Ligar a terceira vez para ver se mudava a atendente;
- Chamar a polícia (que realmente não é a função, possivelmente mandaria chamar o Samu).
Realmente me deslocar não podia, queria muito! Sem alternativas, comecei a gritar pela janela, tentando alertar pessoas que passavam pela rua. Muitos motociclistas passavam, mas eles não conseguiam ver a vítima. Depois de muito esbravejar, um motoqueiro, acompanhado de uma mulher, parou no local. Em seguida, outros se aproximaram. Orientei que eles ligassem imediatamente para o Samu do local, pois só assim haveria atendimento.
ALÍVIO
Um dos presentes conseguiu chamar o Samu. A equipe chegou às 0h49. A espera de 25 minutos pode não parecer longa no papel, mas foi desesperadora para quem observava a situação sem poder fazer mais nada. Muita gente chegou a se aglomerar no local.
Vale lembrar que, o local do acidente fica há cerca de cinco minutos da Unidade de Pronto-Atendimento do Satélite (UPA), onde ambulâncias do Samu ficam lá esperando qualquer urgência.
O atendimento foi delicado e exigiu cuidado. O homem, gravemente ferido, foi imobilizado e retirado às 1h02 da manhã pela ambulância. Uma possível fratura da perna era visível.
MUITAS CAMADAS
Em menos de uma hora tive vários sentimentos: solidariedade, pena, impossibilidade, raiva, revolta, alívio... Foi intenso e terrível! Na boa, a gente paga tanto imposto, paga a mais porque o poder público não faz sua parte e a gente ainda tem que fazer o serviço deles?
Ao longo de quase quatro décadas de vida, presenciei, inúmeras vezes, o Samu atender pessoas bêbadas, que deviam estar sendo cuidadas por quem as acompanhava, gente que procurou a própria morte... Mesmo assim , sempre achei importantíssimo o trabalho deste serviço e dos profissionais que se entregam de verdade. Só tenho que dar parabéns! Mas nessa situação, de uma gravidade real, fiquei decepcionado. Não julgo, nem posso, mas como se diz no Piauí: ‘É paia’.
O QUE TERIA ACONTECIDO?
Fico me perguntando: se eu não tivesse feito algo, o que teria acontecido na manhã seguinte?
- Achar o lugar vazio, pois apareceu alguém para socorrer;
- Ter alguém ainda agonizando diante da minha janela;
- Um carro do IML...
Penso que fiz a coisa certa. Essa experiência me deixou com vários questionamentos:
- Qual é o protocolo do Samu em casos como esse?
- É comum, em Teresina, que uma chamada seja recusada simplesmente porque o denunciante não está fisicamente presente?
- Mesmo diante de um risco claro à vida de uma pessoa, o serviço pode se negar a enviar socorro?
- Isso se configura ou não como omissão de socorro por parte da equipe de atendimento?
- Como um cidadão pode denunciar esse tipo de negligência?
FMS COMENTA O CASO
Procurei a comunicação da Fundação Municipal de Saúde de Teresina, que foi eficaz em responder o caso:
Nota de Esclarecimento
O SAMU Teresina recebeu o relato feito sobre o atendimento realizado na madrugada do dia 19/07, na Avenida Hugo Bastos, bairro Vale Quem Tem, e vem por meio deste prestar os devidos esclarecimentos:
A atuação do SAMU é norteada em protocolos técnicos definidos pelo Ministério da Saúde e segue critérios de prioridade baseados no grau de risco à vida. A Central de Regulação Médica avalia cada chamado com base nas informações disponíveis no momento da ligação, buscando identificar sinais de gravidade para acionar a equipe mais adequada: se ambulância de suporte básico, avançado , motolância ou se faz orientação médica .
Embora o ideal seja que o solicitante esteja no local para fornecer informações precisas e em tempo real, nenhum chamado é automaticamente recusado por esse motivo. O que pode ocorrer é a necessidade de complementação de dados que garantam a identificação correta do local e da situação da vítima para envio da viatura correta ao caso . Contudo, diante de qualquer relato de possível risco à vida, a Central deve agir com a máxima precaução e responsabilidade, despachando uma equipe sempre que houver dúvida razoável.
Todas as ligações recebidas são gravadas, e o caso relatado será devidamente apurado.
O cidadão pode formalizar uma denúncia por meio da Ouvidoria da Fundação Municipal de Saúde informando dia, hora, local e a descrição da situação. Garantimos que toda manifestação é tratada com seriedade e sigilo.
A Diretoria do SAMU Teresina já determinou a abertura de procedimento interno para averiguar o ocorrido e, se comprovadas irregularidades, tomará as devidas providências administrativas e, se necessário, comunicará aos órgãos competentes.
Nos colocamos à disposição para diálogo e reforçamos o nosso compromisso com a qualidade e responsabilidade no atendimento à população de Teresina.
_________________________________________________________________
Decidi tornar esse relato público não apenas pela frustração que senti, mas porque acredito que muitas outras pessoas podem ter passado ou ainda passar por situações parecidas, e o que está em jogo é a vida de alguém. Serviços de emergência precisam ser ágeis, humanos e, acima de tudo, comprometidos com sua missão.
À atendente do Samu, não a julgo, sei que o trabalho é difícil... Imagina filtrar tantas ocorrências o tempo todo? No lugar dela, nem sei o que faria... Mas fora deste lugar, temos que fazer a nossa parte! Alguém foi socorrido com sucesso e espero que esteja bem!
Jhone Sousa
*Essa matéria esperou até 19:20 para entrar, não por acaso. 192 é o número do Samu, o que deveríamos ligar em caso de urgência!
VEJA O VÍDEO: