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De tanto pensar, escrevi

Por Marcela Nogueira. Publicitária, pisciana raiz, mãe da Manuela e amante da arte — mesmo sem saber cantar, dançar ou tocar um instrumento. Intuitiva, criativa e intensa, vivo sentindo o mundo por dentro. Escrevo pra dar conta do que penso (e não digo), pra organizar o caos e, quem sabe, encontrar sentido nas entrelinhas do cotidiano.

É sobre mim. Mas também pode ser sobre você

Desde o dia em que me desafiei a escrever um texto por semana, meu olhar ficou mais atento
De tanto pensar, escrevi

Escrevo em primeira pessoa. Falo de mim. Não porque eu seja especialista em alguma coisa, muito menos por querer ensinar ou provar um ponto. Não trago verdades absolutas, ideias perfeitas ou discursos prontos. Trago o meu olhar. Um olhar que, às vezes, pode parecer com o seu. Acredito que o mundo não precisa de respostas certas, e sim de verdades em movimento. Mesmo que a minha verdade nem sempre seja a sua, pode ser que, um dia, numa feliz coincidência, nossos pontos de vista se encontrem. Apesar de eu nunca ter acreditado muito em coincidências, acho mesmo é que, quando a gente abre bem os olhos, o universo se encarrega de mostrar que as respostas e os ensinamentos estão por toda parte. Todos os dias. Basta estar atento.

Tenho duas grandes fãs da minha escrita: minha mãe e minha irmã (risos). Fãs número um e dois de cada pensamento torto que vira frase por aqui. Semana passada, tomando um café, conversávamos sobre meu último texto. A presidente do fã-clube (a matriarca) soltou: — Você falou sobre você de novo, né?

Foto: ReproduçãoÉ sobre mim. Mas também pode ser sobre você
É sobre mim. Mas também pode ser sobre você

Alerta vermelho, pensei! Bem... a única coisa que consegui responder foi o que, pra mim, é bastante óbvio: — Mas eu só sei escrever sobre o que eu sinto. E o que eu sinto... invariavelmente, é sobre mim.

Desde o dia em que me desafiei a escrever um texto por semana, meu olhar ficou mais atento. Comecei a ver letra em tudo: no bom dia, na gentileza, na saudade, na tristeza, na página do livro, na cena do filme, no que foi dito e no que ficou no silêncio. E tenho achado isso um deleite. Porque, pra mim, é do recorte do simples que nascem as melhores histórias. Pessoas se conectam com pessoas. E nada conecta mais do que uma história que te faz enxergar sua própria imagem refletida na vivência de alguém.

Então é isso, dona Luzia, minha mãe. É sobre mim. Mas pode ser sobre você. Ou sobre aquela sua amiga.

Dito isso, deixa eu contar o que aconteceu outro dia. Fui assistir ao filme Conclave. Filmaço. A fotografia é de tirar o fôlego. Gostei de tudo, mas o que ficou comigo foi uma das primeiras cenas em que, após a morte do papa, o bispo pede que todos orem para que Deus conceda à Igreja um novo papa… que tenha dúvidas. Segundo ele, o pior pecado de todos é a certeza. “A certeza é inimiga mortal da tolerância.” Ele segue dizendo que nossa fé é algo vivo porque caminha na dúvida. Que se houvesse apenas a certeza, sem nenhuma dúvida, não haveria mistério e, portanto, nenhuma necessidade de fé. Aquilo ficou ecoando em mim.

Mais tarde, já na cama com a minha filha Manu, fomos ouvir uma historinha de podcast, como fazemos toda noite. Escolhi aleatoriamente uma chamada As certezas de Joana. A narrativa falava de uma menina que, desde pequena, colecionava certezas. Carregou essas certezas por tanto tempo, que elas acabaram se tornando um fardo. Até o dia em que sentiu que era hora de deixá-las partir. Joana experimentou a confusão das dúvidas fazendo bagunça na sua cabeça. E, pela primeira vez, sentiu-se livre para seguir por outros caminhos.

Sério mesmo que isso foi só coincidência? Não, né!!! Foi o universo me entregando, duas vezes num mesmo dia, uma mesma lição: a importância de estar aberta à dúvida.

E assim, entre um filme e uma historinha infantil, eu e minha filha de 10 anos que se acha cheia de certezas sobre o que gosta e o que não gosta, tivemos uma conversa bonita e honesta. Tentei explicar com exemplos triviais, perguntando como é que ela tinha tanta certeza de que não gostava se nunca tinha provado, ou de que alguém não gostava dela se nunca tinham conversado. “E se você desse uma chance, filha?”.

A dúvida impulsiona. Ela move. A dúvida é aquela frestinha que se abre na rigidez do pensamento e permite que entre ar, luz, vida. A certeza, por muitas vezes, fecha a porta com um estrondo. A dúvida abre caminho e convida. É nesse lugar que mora a beleza do desconhecido, o frescor do novo, o arrepio da descoberta. Tem coisa mais viva do que isso?

Nossa visão de mundo é reflexo das experiências que vivemos. É o movimento que expande, é a busca que transforma. E quanto mais diverso e sensível for o nosso repertório, mais rica se torna a nossa forma de perceber a realidade. Talvez seja isso que eu esteja tentando fazer quando escrevo: ampliar o repertório. O meu. O seu. O nosso.

P.S.: Se você chegou até aqui, fecha esse momento com “Esquadros”, da Adriana Calcanhoto.

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