MPF ajuíza ação para proteger estação ecológica de grilagem de terras no Piauí
A unidade de conservação federal sofre uma tentativa de apropriação irregularO Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação na Justiça Federal do Piauí, com pedido de urgência, para proteger a Estação Ecológica (Esec) de Uruçuí-Una, localizada no município de Baixa Grande do Ribeiro (PI), contra a grilagem de terras públicas. A unidade de conservação federal de proteção integral, com 135 mil hectares, sofre uma tentativa de apropriação irregular de mais de 110 mil hectares da sua área pela empresa Conesul Colonizadora dos Cerrados do Sul Piauiense Ltda.

A área reivindicada pela empresa corresponde a aproximadamente 82% do território da Esec. Na ação, o MPF sustenta que a empresa postula a incorporação desse espaço ao seu patrimônio com base em cinco matrículas imobiliárias fraudulentas. A ação busca, então, a declaração de nulidade dessas matrículas e a proteção de uma das mais importantes unidades de conservação do bioma Cerrado.
Segundo o MPF, a Estação Ecológica representa um remanescente vital do Cerrado sul-piauiense, possuindo valor inestimável para a biodiversidade, a proteção de recursos hídricos, o equilíbrio ecológico e a pesquisa científica. Ela é considerada uma das poucas áreas de mata nativa preservada naquela região, marcada pelo intenso desmatamento para implantação de projetos de monocultura de soja e milho.
A Estação foi formalmente criada pelo Decreto Federal n.º 86.061, de 2 de junho de 1981, que a estabeleceu como Unidade de Conservação Federal. Este ato normativo ratificou a destinação da área doada pelo Estado do Piauí à União, em 1978, conferindo-lhe o status jurídico de unidade de conservação e proteção integral, essencial para a salvaguarda dos seus ecossistemas.
Irregularidades
Na ação, o MPF aponta que as matrículas da Conesul são consideradas nulas de pleno direito e não estão entre as poucas consideradas válidas pelo Instituto de Terras do Piauí (Interpi). As matrículas de Santa Filomena (PI) - R01/668, R01/669, R01/670, R01/85 e R01/231- apontadas como "matrículas-mães", carecem de comprovação de registro anterior, violando o princípio registral da continuidade.
O órgão ressalta ainda que investigação conduzida pelo Ministério Público do Estado do Piauí, por meio de Grupo Especializado de Regularização Fundiária do Estado do Piauí, identificou múltiplas irregularidades nas matrículas R01/668, R01/669 e R01/670, Cartório de Santa Filomena (PI), e, por consequência, nas matrículas n.º 1.911, 1.912 e 1913, Cartório de Ribeiro Gonçalves (PI).
Segundo o MPF, as matrículas apresentavam descrições genéricas sem limites ou confrontações e foram "migradas" ilegalmente entre diferentes municípios - Santa Filomena (PI) para Ribeiro Gonçalves (PI) e, depois, Baixa Grande do Ribeiro (PI), o que configura a prática das "matrículas voadoras" - registros sem base real para legitimar a posse sobre terras que não pertencem ao suposto proprietário.
Na investigação, o órgão ministerial também constatou que houve a conversão ilegal, inexplicável e arbitrária de "posses de terras" avaliadas em valores baixíssimos, em cruzeiros, para dezenas de milhares de hectares, sem qualquer base técnica ou legal, à revelia do Poder Judiciário e do Ministério Público. Neste ponto, a atuação da empresa se assemelha ao modus operandi de grileiro conhecido da região que atuou como procurador de ambas as partes em diversas transações, utilizando procurações lavradas em cartório de Gilbués (PI) para "transmutar" áreas entre municípios e "converter" posses em cruzeiros para milhares de hectares.
O MPF argumenta ainda que todas as matrículas foram constituídas com base em registro de posse, em flagrante violação aos dispositivos legais que regem a matéria registral imobiliária, acarretando nulidade absoluta e insanável uma vez que viola norma de ordem pública. O órgão sublinha que a posse, por ser uma situação fática e não um direito real, não pode ser registrada em cartório, tornando os registros baseados nela absolutamente nulos.
Algumas dessas matrículas já foram formalmente canceladas em 2000 por falta de documentos essenciais, sendo os atos registrais posteriores, como as averbações do Incra, considerados nulos.
Pedidos do MPF
Mesmo diante dessas graves irregularidades, a Conesul, por meio dessas matrículas, requereu o Reconhecimento de Domínio (RRD) e a Certidão de Regularidade Dominial (CRD) no Instituto de Terras do Piauí (Interpi); solicitou à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) licenças ambientais para a retirada de vegetação; ingressou com múltiplos protocolos de certificação no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Incra; deu entrada em processos administrativos de desapropriação indireta e demandas judiciais objetivando o livre uso das terras ou a declaração de caducidade do ato normativo instituidor da Unidade de Conservação.
Diante da gravidade da situação, o MPF solicitou à Justiça Federal, em caráter de urgência, que a Conesul se abstenha de praticar qualquer ato de reivindicação de direitos dominiais sobre a Esec de Uruçuí-Una, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. Além disso, o MPF também pediu que o Interpi se abstenha de deferir qualquer pedido de Reconhecimento de Domínio (RRD) ou Certidão de Regularidade Dominial (CRD) em favor da requerida sobre a área da Esec.
O MPF pediu, ainda, que o Incra promova o cancelamento imediato de certificações Sigef da Conesul que se sobreponham à Esec, bem como bloqueie as matrículas fraudulentas de Ribeiro Gonçalves (PI) e Santa Filomena (PI); que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh/PI) se abstenha de conceder qualquer autorização ambiental à Conesul para atividades na Esec; a intimação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor da Esec, para que manifeste interesse em compor a lide.
No mérito da ação, o MPF requereu a declaração da nulidade absoluta de todas as matrículas fraudulentas identificadas - Ribeiro Gonçalves (PI) e Santa Filomena (PI) e de todos os registros delas oriundos; a condenação da Conesul à obrigação de não fazer, consistente em se abster definitivamente de reivindicar direitos dominiais sobre a área da Esec de Uruçuí-Una e a determinação de averbação da decisão nas matrículas envolvidas.